Tuesday, November 5, 2013

A questão das biografias não autorizadas e por que meu dito cujo já lotou

Recentemente reninauguraram um supermercado imenso próximo da minha casa. A grande novidade estava no pessoal que empacota as mercadorias para os fregueses. Quando era guri, o pessoal que fazia este serviço no Peg-Pag da Rua das Palmeiras invariavelmente tinha uns 10 a 14 anos de idade, só um pouco mais velhos do que eu. Como os tempos mudam. No meu Publix local, a grande maioria dos empacotadores é composta de distintos senhores, alguns aparentemente com mais de setenta anos nas costas.

Alguns até parecem estar felizes de ganhar uma grana a mais. Porém, muitos parecem fazer o serviço com muito mau humor.  Afinal de contas, sonhavam na idade do ouro fazer cruzeiros, jogar dominó o dia inteiro, ler jornais em papel enquanto estes existem, enfim, sumariamente coçar. Não ficar empacotando alimentos que não podem comprar por causa do preço ou não podem mais consumir por causa dos ingredientes. Triste estado de coisas, a tão sonhada e propalada aposentadoria americana mal dá para pagar as contas, provavelmente vão morrer empacotando, estes velhinhos. Vão empacotar empacotando.

Parece-me que esta questão das biografias não autorizadas tem um pouco disso. Cantores ou cantoras setentões, que sonhavam aposentar-se só recebendo o din-din dos seus discos, agora são forçados a fazer shows, intermináveis shows pelo país afora, pois quase ninguém mais vende - ou ganha dinheiro - com discos no Brasil. Pelo menos não os medalhões de outrora, o pessoal a MPB. Sim, há aquelas magníficas caixas com todos ou quase todos os discos dos artistas, aquela que você sonhou em comprar, porém, na hora de pagar algumas centenas de reais, desistiu rápido. Aquelas caixas que provavelmente vendem uns poucos milhares de unidades, afinal de contas, onde estão as lojas de CDs? Para ganhar uma grana, os velhos artistas têm que ralar, embora a voz já não ajude, ficar de pé duas horas muito menos, carregar o violão é um sufoco, jogar o microfone pro lado e ensaiar uma dancinha seja complicado. Pô, acabaram com minha aposentadoria, dizem os cantantes setentões. Não é uma brasa, mora! Agora o público faz download ilegal direto, copiam CDs dos amigos em ipads ou então chupam as músicas do youtube. Acabou a mamata eterna.

Sendo assim, me parece que a questão não tem absolutamente nada a ver com privacidade. Tem a ver com grana. Um ressentimento de que não somente a tecnologia deu um golpe letal na sua aposentadoria, mas ainda por cima tem nego querendo ganhar dinheiro em cima da suada fama adquirida depois de anos e anos de trabalho.

Essa coisa de celebridades quererem privacidade é complicada, a meu ver. Primeiro, fazem de tudo para estar constantemente na mídia, e depois, quando a mídia quer explorar aquilo que eles próprios iniciaram, aí querem privacidade. Esquece mano, você vendeu sua alma à mídia! Se quiser que falem do seu trabalho, ser chamado para uma entrevista, ser contextualizado, tem que deixar sua imagem ser explorada sem remuneração. É o preço.

Tem o outro lado da história. Imagino que alguns autores destas biografias acham que o público tem o direito de saber o que seus ídolos aprontaram no passado. Se fizeram parte de orgias, se fumaram crack, se tiveram relacionamentos homossexuais, se deram grana para partidos políticos, se foram amigos de militares,  se deram golpes, se bateram nas esposas, etc. Dizem que estão prestando um serviço ao público!!! Não estão não, estão querendo encher o bolso de dinheiro, só isso!!!

Francamente, o mundo não vai mudar por que foi feita uma devassa na vida dos reis do iê-iê-iê, da MPB, da tropicália ou do samba, ou as rainhas e reis das novelas globais. Gosto de música e TV, porém, a vida desses astros da música, ou de qualquer celebridade, em nada vai mudar o curso da sociedade ou levar a uma reflexão mais apurada do nosso País, não tem nenhuma utilidade intrínseca para a sociedade. Qualquer que seja o autor.

Já livros sobre figuras históricas ou história pura - mesmo que passeie pelo campo das indiscrições, como comentar o esquisito serviço prestado a Dom João VI pelo seu mordomo - certamente nos ajudam a compreender a formação e situação da nossa sociedade. Meu medo é que esta questão impeça o lançamento, em alguns anos, de livros sobre certas figuras que deitam e rolam na nossa política e vida pública.

Para mim, a questão é toda GRANA. Ponto final.