De repente, me lembrei dos idos de 1998, 1999. Naquela época, alguns esperavam o fim do mundo, o colapso total dos sistemas de informática, que não saberiam como passar de 1999 para 2000. O Y2K. Muito se falou - e se gastou - sobre o assunto. Apareceram especialistas de todos os lados, teve gente comprando comida, água, pilhas. Eu mesmo acabei traduzindo diversos planos de recuperação de bancos, caso houvesse o temido colapso. E de tanto ouvir falar sobre o assunto, fiquei semi-paranóico durante duas semanas. Na base do "yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay", resolvi - timidamente - começar a estocar comida. Minha primeira - e última - provisão foi um lote de 24 latas de milho. Acabei chamando-os de MILHÊNIO, e dei a maioria das latas para amigos, quando passou a paranoia.
O resultado, todos sabem. Não houve colapso de sistema bancário, financeiro, energético, nada. EM NENHUM LUGAR. Pelo jeito, era tudo uma grande armação.
Ser precavido é bom, porém, também é bom cheirar armação de longe.
Confesso que até eu achava que a Copa seria um desastre total no Brasil, que o país não estava preparado, o escambau a quatro. Pelo jeito, não houve tantos problemas quanto na Copa da África do Sul. Na hora H até os mais ávidos manifestantes estão com as TVs e computadores ligados nos jogos e colecionando figurinhas...
Sei que havia um ângulo político, e ainda há. Vai haver manipulação? Provavelmente. Houve roubo? Certamente. Não sou tão estúpido. Alguns hão de dizer que as coisas estão bem por causa da intervenção da heroína imprensa, tipo "se a imprensa não tivesse falado tanto, aí sim iria acontecer um desastre". Que me desculpe a imprensa, seria um pouco Chimentesco dizer que o sucesso da Copa, até agora, foi devido ao escrutínio do quarto poder. Se fosse para dar meleca, teria dado, com ou sem imprensa. Sem trocadilho, acho que uma prensa da FIFA foi mais vital do que milhares de artigos e programas que exaustivamente mostraram que a Copa seria um vexame. Convenhamos, no fim das contas, o que vale é dinheiro no bolso e paz. E ninguém quer ser processado pela FIFA, sediada ainda por cima na Suiça. A adimplência de contratos é o que contou para o resultado até agora bom.
Ok, não há trens balas, a pobreza ainda existe no país, nossos aeroportos não são Schiphol ou Miami, e, de modo geral, muito pouca gente ganhou dinheiro com a Copa. Ou vai ganhar. De fato, os jornais de hoje dizem que a criação de empregos formais neste mês de maio foi a menor para este mês nos últimos 22 anos!
Agora, francamente, um cara que mora no interior do Piauí ou Rondônia, ou em qualquer cidade que não seja sede da copa, não mexe com turismo, hotelaria, restaurantes, logística, mídia ou construção, nem gosta de futebol, ora bolas, o que esse cara achou que iria ganhar, em termos financeiros, com uma Copa do Mundo? O cara é encanador em Blumenau e achou iria ganhar grana com a Copa?
Acho que no fundo essa foi a bronca dos milhares que foram às ruas. CADÊ MINHA GRANA? Acharam que ia sobrar algo para eles, e quando não sobrou, ficaram uma vara, viraram blackblocks e sininhos!!!
Não se trata de defender o governo, ou qualquer partido político, até porque, quem me conhece sabe muito bem que sou apartidário. Entretanto, a linha geral de ataque CONTRA a Copa, que o dinheiro poderia ser usado na construção de hospitais e escolas, me parece um tanto falha, e vou explicar porque.
Primeiro, por que o valor é relativamente insignificante, considerando as grandes necessidades do Brasil. É um fato. A carência do país nestas áreas (educação e saúde), provavelmente soma alguns trilhões de reais. Vejamos, por exemplo, as faustas e faraônicas aposentadorias de um grande número de servidores públicos (e am alguns casos, filhas de servidores públicos mortos há décadas, não casadas). Este é um problema muito mais sério, constante, em expansão, estrutural, e não pontual, do que a Copa. A Copa é pinto, em termos das fortunas que são gastas com estes exagerados benefícios. Que me desculpem os beneficiados...
Segundo, tratar tal evento como completamente supérfluo é um precedente perigoso, que poderia levar ao raciocínio de que todo e qualquer evento esportivo, artístico ou cultural é supérfluo. Afinal de contas, isonomia é boa, a faz bem. Obviamente, aqueles que gostam de artes plásticas iriam chiar se o governo começasse a fechar museus, afinal de contas, precisamos de hospitais e escolas, museu é supérfluo. Vêm como o raciocínio é perigoso?
Muitos artistas andaram debandando a falar mal da Copa, frisando justamente a má alocação de fundos. Porém, salvo por Lobão, e provavelmente outros que desconheço, poucos artistas falam mal da Lei Rouanet, que direta ou indiretamente, reduz o fluxo de recursos para o governo ou os extrai, criando incentivos para patrocínio de eventos ou produtos culturais. Eu sou um cara da cultura. Porém, um sujeito como o Gilberto Gil, que inclusive já foi ministro, não precisa de recursos da Lei Rouanet para fazer um show!!! Não tenho ideia de quantos projetos já foram aprovados sob a égide desta lei, porém, imagino que devam ser milhares, alguns envolvendo recursos milionários.
Ou seja, em corporativismo puro, alguns artistas - que provavelmente não gostam de futebol, ou não querem admitir que gostam, ou querem Ibope - combatem o uso de bilhões na construção de estádios (que inclusive poderão ser usados para seus shows, no futuro...), porém, nada dizem quando pencas de artistas de renome abocanham verdadeiras fortunas de dinheiro público para fazer shows, sem contar o grande número de livros, CDs e DVDs financiados com tais recursos. Às vezes são shows mequetrefes e meia-boca, só com o artista, um violão, sua voz desafinada, nem banda contratam! E sabe-se lá se os fundos não terminam imobilizados em cimento e vidro em Paris, Nova Iorque, Miami...
Sem tirar o foco, se considerarmos uma Copa do Mundo supérflua, então, todo dinheiro público gasto em concertos, exibições, exposições, carnaval, e todo e qualquer evento esportivo é tão supérfluo quanto a Copa. E diga-se de passagem, na somatória, estes fundos provavelmente dão algumas Copas por ano! Vamos cancelar tudo então? (Cabe lembrar que quando uma empresa reduz sua carga tributária por patrocinar um evento ou produto cultural, o governo arrecada menos, tirando de circulação dinheiro que poderia ser gastu em hospitais ou escolas. Existe um custo, sim. Em síntese, é isso).
Enfim, temos aqui uma boa dose de hipocrisia, além de um faux elitismo. Dizem que rock and roll é 90% postura, 10% talento. Olha, não é só no rock. Muita gente se incomoda muito mais com sua postura do que conteúdo. Existe um povo no Brasil que se auto denomina eliteculturalformadordeopiniãogentefinadealtonível, e adora desdenhar do futebol, por exemplo, por ser "popular". E com a boca cheia, adoram dizer que têm uma visão mais "europeia" da vida. Pois bem, na Europa inteira os estádios ficam cheios, durma-se com um barulho destes! Europeu é doido por futebol! Essa afetação besta acaba sendo uma boa dose de ignorância do aspirante a elitista. Se não gosta de futebol, ótimo, agora, não vai querer se ufanar empombadamente de ser uma pessoa de um "nível cultural tão alto" que detesta este esporte (mas até aguenta o tênis e o golfe, esporte de gente mais fina. De novo a danada da postura).
Por fim, fico imaginando a tal copa em Catar. Nosso país tem dimensões continentais, e parte do problema tem sido exatamente esse, a distância entre as cidades sede. Agora, o Catar é minúsculo! Se construírem ez estádios no "país", não vai sobrar espaço para ninguém viver ou circular. Ou será que vão connstruir um em cima do outro, em forma de veleiro?
E tenho dito.