Friday, July 18, 2014

Quantidade x qualidade

É praticamente impossível encontrar um comercial ou anúncio da Rolls Royce. Não vou dizer que visualmente são meus carros prediletos, porém, é inegável a qualidade dos bichos. Numa era em que o popular é frequentemente o mais relevante, pelo menos é assim que os motores de busca qualificam as coisas, qualidade intrínseca fical difícil achar. O que não significa que ela não exista, ou que frequentemente não acaba superando a mediocridade. Olhe lá, digo isso sendo um dos maiores críticos da suposta meritocracia. Porém, popularidade e pré-julgamentos preponderam até mesmo no julgamento de qualidade.

Quando Ayrton Senna morreu o número de pilotos brasileiros em atividade no exterior ainda era relativamente pequeno. É verdade que há diversos fatores por trás disso. Entre outras coisas, cabe lembrar que o Brasil começava a entrar numa fase de inflação baixa pela primeira vez em muitos anos, e câmbio estável. Porém, depois da morte de Senna, o número de pilotos brasileiros no exterior aumentou sobremaneira, chegando a exceder a centena no seu auge. De fato, a certa altura dos acontecimentos só na Fórmula Indy eram 10, chegamos a ter mais de 6 na Fórmula 3000, além de pilotos em séries locais e regionais nos Estados Unidos, México, Japão, Austrália, Argentina, Alemanha, Itália, França, Inglaterra. Até mesmo na Índia tivemos um representante!

Apesar desse enxame de pilotos, não apareceu, nos vinte anos desde a morte de Senna, um substituto à sua altura, e, de fato, hoje só temos um piloto na F1 e dois na Indy. A quantidade acabou caindo, sem que a qualidade tenha melhorado.

Algo semelhante ocorre com o futebol. Não se enganem, futebolistas brasileiros no exterior já existiam desde os anos 50. Embora nenhum jogador das nossas seleções de 58, 62 e 70 atuasse no exterior na época dessas Copas, a grande maioria dos jogadores da Copa de 58 acabou jogando pelo menos um ano fora, muitos no México, depois do grande evento. Porém, os nossos jogadores lá fora eram poucos até os anos 80. O mercado da bola mudou, e hoje há um número incrível de jogadores brasileiros em quase todas praças futebolísticas do mundo.

Ocorre um efeito curioso no futebol, que parece copiar a cartilha do automobilismo. A quantidade aumentou estupidamente, porém, a qualidade é desejável. Sim, o sonho de todos é encontrar um novo Pelé no Brasil, ou pelo menos um novo Ronalducho, assim como o sonho era encontrar um novo Senna. E assim como centenas de pais enterraram verdadeiras fortunas financiando mal sucedidas carreiras de filhos no automobilismo no exterior, há algumas dúzias de fundos de investimento que fazem exatamente a mesma coisa com as carreiras dos jogadores brasileiros. Sem contar uma outra meia dúzia de empresários, advogados e consultores, que parecem "estar em todas".

A grande quantidade de jogadores brasileiros atuando fora nos dá uma noção errada de que ainda somos o país da bola, assim como o grande número de pilotos em dezenas de categorias mundo afora nutria a ideia de que éramos um país de Sennas até alguns anos atrás. A grande quantidade não resultou em excelente qualidade em nenhuma das duas disciplinas.

Para quem já viu contratos de jogadores profissionais brasileiros na Europa, como eu, chega-se à conclusão de que há muita ilusão no meio do nebuloso negócio da bola. Os jornais estão cheios de notícias de contratações de jogadores brasileiros, indicando cifras notáveis, porém, esquecem (ou não sabem) que tais contratos geralmente estão repletos de complicadas cláusulas de desempenho. O jogador tem o POTENCIAL de ganhar milhões por ano. Isto se jogar sempre, e jogos inteiros. Se jogar "x" minutos, ganha uma porcentagem pequena. Se o time não ganhar títulos, o cara fica a ver navios. Sem contar multas para tudo. Se o atleta se machucar, fica ganhando somente o salário fixo, que muitas vezes não passa de 10.000 euros por mês. Um contrato que tive a oportunidade de inspecionar, de um atleta atuante na Rússia, EXIGIA que o atleta aprendesse russo, caso contrário, o contrato podia ser desfeito! Ou seja, os contratos são cheios de "pegadinhas".

Quem ganha com a coisa são, de fato, aquela mesma meia dúzia de fundos de investimentos, empresários, middlemen, advogados e consultores que aparentam estar "em todas", na venda, frequentemente precipitada, dos contratos dos jogadores. Muitos desses jogadores, frequentemente jovens que dois ou três anos moravam na favela e são de origem humilde, voltam para o Brasil desiludidos, ou acabam se embrenhando por praças menos conhecidas ainda. Alguns conseguem refazer a carreira no Brasil, outros não.

O ponto é que eventualmente, quem paga a conta (nesse caso, os times no exterior) acaba se enchendo com a enxurrada de pernas de pau exportada pelo Brasil. Há muitos jogadores indo jogar lá fora que não são grande coisa. Os times, que pagam pelos seus passes, eventualmente podem achar melhores negócios em outros países das Américas, África e Leste Europeu. De fato, na mesma forma que no automobilismo, hoje há um número muito maior de países de origem de futebolistas de qualidade. Até mesmo muitos jogadores da Ásia participantes da Copa atuam na Europa.

Ou seja, se a situação do futebol seguir a do automobilismo, o futuro nos reserva uma surpresa negativa.

No comments:

Post a Comment