Friday, July 4, 2014

A Copa Inganhável

Considere a Grécia. O time helênico, sem grandes tradições futebolísticas, entrou na Copa e inclusive avançou para a segunda fase, e quase para a terceira. Acabou caindo, mas se você falar com o mais humilde dos gregos, isto não interessa. Hoje um dos países mais pobres da União Europeia, e economicamente inviável exceto pelo turismo, o grego tem uma grande auto-estima, orgulho da sua milenar civilização cujos efeitos sentimos até hoje, nos idiomas, filosofia, política, ciências, direito, arquitetura. Sem contar os jogos olímpicos e uma razoável extensão territorial obtida por Alexandre, o Grande.

Considere nosso Brasil. Temos uma auto-estima frágil, afinal de contas, nossas contribuições para a humanidade têm sido notas de rodapé, em vez de estruturais. Sim, temos o samba e a bossa nova, a feijoada, a capirinha, o churrasco rodízio, a cueca como elemento de corrupção. Porém, apesar da insistência de que somos o país do inventor dos aviões, continuamos a ser exportadores de matéria prima e importadores de tecnologia (embora, curiosamente, um dos maiores produtores de aviões de passageiros seja a brasileira Embraer). Muito pouco se inventa ou desenvolve no Brasil, cuja trajetória econômica continua a ter seus altos e baixos.

Sendo assim, a auto-estima do povo do país, como um tudo, é muito fundamentada nos sucessos esportivos do país no âmbito mundial.

Já escrevi uma vez sobre o assunto, vai aqui um resumo. Não há nexo causal no que vou falar, certamente é uma coincidência das grandes. Até 1970, nossa auto-estima era 100% fundamentada no futebol, consolidada com no tri da Copa de 70. No final do ano, um piloto brasileiro ganhou seu primeiro GP, e este mesmo piloto, Emerson Fittipaldi, acabou ganhando os títulos mundiais de 72 e 74. Neste último ano, houve também uma Copa, na qual o país não se apresentou bem. E, de fato, do final de 1970 a 1994, nossa "auto-estima" teve que ser satisfeita com as vitórias de três pilotos no Mundial de F1, que resultaram em oito campeonatos ganhos. Daí veio a morte de Senna, e nossa auto-estima tomou um baque. Salvando a situação, o futebol que estava em franca decadência, conseguiu ganhar a Copa de 94. Trocaram-se os papeis. Em 98, fomos vice, em 2002, campeões novamente. Persistiu a auto-estima esportiva.

E na F1, passamos à mera condição de coadjuvantes.

Só que desde 2002 o futebol enfraqueceu. Sim, de vez em quando aparece algum novo craque que vai dominar o mundo, o Gaúcho, o Adriano, o Pato, o Nilmar, o Kaká, o Robinho, e agora o Neymar. Porém, a geração atual de riquíssimos futebolistas brasileiros é decididamente fraca, até por que, por razões quase análogas à F1, hoje muitos países contribuem times e pilotos de primeira, não somos mais o grande celeiro de esportistas.

O povo, certamente com auxílio do governo, trocou suas prioridades. Na falta de filosofia e influência linguística, passamos a acreditar que o Brasil estava na direção de se tornar um gigante econômico. Veio a crise de 2008, e para nós foi só uma "marolinha" enquanto o primeiro mundo se debatia com a possibilidade de falência. Um dos nossos se tornou o bilionário da hora, o gênio das finanças e dos negócios e poster boy da revista Forbes. Descobrimos o pré-sal, as instituições se fortaleceram (!), reduziu-se o número de miseráveis no país, o real chegou a ser considerado uma moeda semi-forte, o Brasil se tornou o celeiro do mundo, e de um golpe só, o país foi escolhido para sediar a Copa e as Olímpidas ...Enfim, a auto-estima esportiva cedeu a uma auto-estima mais madura, de um país que estava crescendo.

Algo (inevitável) ocorreu no meio do caminho e o objetivo deste post não é discutir os múltiplos detalhes. Porém, a pujança cedeu lugar a um sentimento de instabilidade, a alegria inicial em sediar a Copa se transformou em raiva, a inflação ronda rugindo, até o Mr. Forbes empobreceu. E nos esportes, continuamos fracos.

CABUM! Foi-se a auto-estima do brasileiro.

Hoje o Brasil joga contra a Colômbia, jogo decisivo, como são todos depois da fase inicial. A julgar pelas partidas anteriores, o Brasil vai sofrer para ganhar, se é que vai ganhar. Se ganhar e passar para a fase semi-final, vai continuar sofrendo. Ocorre que, para o país, apesar de seu humor ter "melhorado" por causa da Copa, ganhando ou perdendo a Copa a auto-estima do Brasil continuará em baixa.

Se ganharmos, por causa da aventada possibilidade de manipulação do resultado, ficará sempre a dúvida. Se perdermos, muitos dirão, EU SABIA. Ou seja, esta é uma Copa inganhável. E o país continuará  a ser um muro de lamentação. Sem filosofia, arquitetura, idioma, sem nada para se orgulhar.

Felizes são os gregos.

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